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Execução penal falta grave e consequências

Execução penal falta grave e consequências

Eduardo Luiz Santos Cabette, Professor de Direito do Ensino Superior
há 6 anos
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“Poucos são aqueles que já entenderam, como Carnelutti, que também a penitenciária está compreendida com o tribunal no palácio da Justiça e que nosso comportamento diante dos condenados é a indicação mais segura da nossa civilidade”.– Renato de Oliveira Furtado.[1]

A Lei de Execução Penal foi promulgada no ano orwelliano de 1984, com o intuito original de “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (L. E. P. Art. 1º). Apesar de presente no ordenamento jurídico nacional por cerca de 28 anos, a principal lei que rege toda a seara do pós-condenatório penal brasileiro ainda hoje é alvo de polêmicas discussões, haja vista que vem sofrendo importantes modificações desde o ano de 2003, sendo que a reforma mais expressiva se deu no ano de 2010, com a delegação de maiores responsabilidades ao âmbito de atuação da Defensoria Pública.

Dentre os temas mais polêmicos referentes à execução penal encontra-se o da contagem de novo lapso para concessão de benefícios ao sentenciado em regime fechado, decorrente da prática de fato caracterizado como falta grave.

Em uma breve síntese: durante o tempo no qual se cumpre a pena privativa de liberdade, é disposto ao preso o direito de galgar uma série de benefícios à sua ressocialização, dentre eles a progressão de regimes, o livramento condicional, o indulto e comutacao de penas, a remição, dentre outros. Para que tais benesses sejam concedidas, faz-se necessário que o reeducando cumpra determinados requisitos impostos por lei, sejam eles, via de regra, objetivos e subjetivos. Objetivos importam o cumprimento de certo lapso temporal relativo à pena, cujas frações variam dependendo do benefício pleiteado, enquanto subjetivos importam, em boa parte dos casos [2], em bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento prisional (L. E. P. Art. 112). [3]

Acontece que a prática de falta disciplinar vem a atravancar a perspectiva de reinserção na sociedade prevista pelo Estado em face do sentenciado, uma vez que a comprovada conduta faltosa demonstra imaturidade e falta de comprometimento do reeducando para com o programa carcerário. Porém, na legislação são específicas as sanções a que estão sujeitos os apenados, sendo que é defeso ao magistrado impor penalidades não previamente instituídas em norma legal ou regulamentar:

Art 45 - Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar.

Art 49 - As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves. A legislação local especificará as leves e médias, bem assim as respectivas sanções.

Sendo assim, o sentenciado que comete uma falta (caracterizada em juízo pelo devido processo legal) vê de certa forma ameaçada sua pretensão à ressocialização, vez que há mácula em seu comportamento carcerário, o que consequentemente afetará um possível pleito a benefícios. Ou seja, caso o preso não tenha se reabilitado de sua conduta faltosa, o pedido de benefício estará prejudicado, por falta de critério subjetivo. [4] Todo o relatado possui expressa previsão legal, como foi demonstrado. [5]

Acontece que, atualmente prospera entendimento ainda não pacífico de que a prática de falta grave, além de afetar critério subjetivo, também implica em uma interrupção da contagem de lapso para concessão de benefícios ao apenado em regime mais gravoso de cumprimento (fechado), de modo a ser feito novo cálculo penal a partir da data do fato sancionável. O pressuposto para tal afirmação é de que, como a falta grave tem por sanção ao beneficiário de regimes mais brandos a regressão de regime com a subseqüente imposição de nova contagem temporal, em uma interpretação recíproca esta também deve ser aplicada ao caso do sentenciado em regime fechado. Manifesta-se em sentido contrário a Sexta Turma Criminal do Superior Tribunal de Justiça, sendo até mesmo editada por este Egrégio Tribunal a Súmula 441, que explana seu reiterado entendimento (porém, somente no tocante ao livramento condicional) que: “A falta grave não interrompe o prazo para obtenção do livramento condicional”.

Porém, em apartada divergência o Supremo Tribunal Federal atualmente aprecia a questão sobre outro viés:

A prática de falta grave acarreta a interrupção da contagem do prazo para a progressão do regime de cumprimento de pena. 3. A interrupção do referido prazo decorre de uma exegese sistemática das regras legais existentes”; “O réu que cumpre pena privativa de liberdade, ao praticar falta grave, pode ser transferido para regime mais gravoso; ou se já cumpre pena no regime mais oneroso (regime fechado) é permitido o reinício da contagem do prazo para a progressão, levando-se em conta o tempo de pena remanescente”. [6]

Apesar das manifestações do STF neste sentido, a questão ainda não foi pacificada. É acertado que o legislador previu a interrupção de lapso em certos casos da execução penal, como na circunstância específica da remição (Art. 127). Porém, como norma que vem por agravar a condição do réu, é inadmissível que esta seja interpretada de maneira extensiva, sob pena de grave desrespeito a preceitos constitucionais como o da legalidade e da reserva legal, insculpidos no art. , II e XXXIX da Constituição da República, segundo os quais "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer coisa alguma senão em virtude de lei" e “não há pena sem prévia cominação legal”. Tal interpretação extensiva constitui a deflagrada analogia in malam partem, terminantemente proibida pelo direito penal, afinal implica em sanção não prevista pelo legislador.

Decerto a proteção da sociedade é um dos dogmas do Estado Democrático de Direito, mas, como tal, este não pode suprimir suas próprias regras basilares sob o óbice de um eventual garantismo pro societate. Deve-se ter em mente que o conteúdo normativo agora posto de lado, em detrimento de “meros condenados”, é de mesmo cunho de outros tantos que existem para proteger esta mesma sociedade das garras inquisitivas de um Estado totalitário. Sendo assim, qualquer brecha advinda de uma punição praeter legem ou contra legem constitui um perigoso precedente, tendo em vista que são aqui discutidos temas intrínsecos e correlatos à “função garantidora do primado da liberdade”.[7] Cabe aqui a definição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, segundo os quais:

“A regra é a prevalência dos direitos e garantias fundamentais contra os interesses público e particular e contra os interesses do Estado (...). A exceção, portanto, é a mitigação dos direitos e garantias fundamentais. Essa mitigação, entretanto, somente pode ocorrer em situações excepcionalíssimas, mediante ponderação pelo princípio da proporcionalidade. Não se pode fazer da exceção a regra e banalizar essa excepcionalidade, tangendo direitos fundamentais ao argumento de que o interesse público deve prevalecer sobre eles. No verdadeiro Estado Constitucional, não se deve distinguir Estado e sociedade, porquanto esse Verfassungsstaat não se caracteriza, apenas, pelo princípio da legalidade formal que subordina os poderes públicos às leis gerais e abstratas, mas também pela legalidade substancial, que vincula o funcionamento desses mesmos poderes à garantia dos direitos fundamentais (...). Como no Estado Democrático de Direito não se distingue Estado de sociedade, a proteção dos direitos e garantias fundamentais existe para opor-se tanto ao Estado, como à sociedade e aos particulares”.[8]

Dessa forma, se a eficácia punitiva da norma é motivo de desconfiança, esta deve ser suprida pelo legislador, seguido o rito ordinário e constitucional do processo legislativo e em observância aos seus pressupostos. Obviamente que, na atual conjectura do direito moderno, a teoria da tripartição dos poderes sofreu relativa flexibilização, sendo até certo ponto comum a delegação de atribuições originariamente legislativas aos demais poderes (v. G. As medidas provisórias e as decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade). [9] Cabe lembrar, porém, que tal flexibilização deve sempre ser limitada por barreiras de ordem principiológica, sendo a dignidade da pessoa humana o grande princípio norteador de todo o direito moderno.

Afinal, o que se discute não é eficácia da norma no caso concreto ou a real intenção do legislador de 1984, e sim a evidente inconstitucionalidade de uma interpretação extensiva em face de conteúdo normativo que versa sobre o jus puniendi estatal. Apesar disto, somente o tempo dirá o que se pacificará acerca do tema, sendo que no fim das contas, como guardião da Carta Magna instituído pelo poder constituinte originário, é quase certo que o entendimento manifesto pelo Supremo Tribunal Federal será o petrificado. Um fato a se lamentar, tendo em vista a posição atualmente adotada por esse pretório excelso.

APÊNDICE

Reabilitação da conduta faltosa, no tocante ao Estado de São Paulo, de acordo com a Resolução 115/2003 da Secretária de Administração Penitenciária e seu Regimento Interno:

Art. 3º - Bom comportamento carcerário é aquele decorrente de prontuário sem nenhuma anotação de falta disciplinar, desde o ingresso do sentenciado na prisão até o momento do requerimento de benefício em Juízo.

Parágrafo único - Equipara-se ao bom comportamento carcerário o do preso cujo prontuário registra a prática de faltas, com reabilitação posterior de conduta nos termos do Regimento Interno Padrão (arts. 72 e 73).

Art. 4º - Comportamento regular é o do preso cujo prontuário registra a prática de faltas médias ou leves, sem reabilitação de conduta.

Art. 5º - Mau comportamento carcerário é o do preso cujo prontuário registra a prática de falta grave, sem reabilitação de conduta”. [10]

E os referidos artigos do Regimento Interno:

Art. 71. Será rebaixado o conceito de conduta do preso que sofrer sanção disciplinar, em quaisquer regimes de cumprimento de pena.

Art. 72. O preso em regime fechado, terá os seguintes prazos para reabilitação da conduta, a partir do cumprimento da sanção disciplinar:

I – de 01 (um) mês para as faltas de natureza leve;

II – de 03 (três) meses para as faltas de natureza média;

III – de 06 (seis) meses para as faltas de natureza grave.

Art. 73. O preso em regime semi-aberto terá os seguintes prazos para reabilitação da conduta, a partir da data da infração disciplinar:

I – de 15 (quinze) dias para a falta de natureza leve;

II – de 30 (trinta) dias para a falta de natureza média;

Parágrafo único. A infração disciplinar de natureza grave implicará na proposta de regressão do regime.[11]

Já no tocante ao prazo prescricional das faltas disciplinares, cabe ressaltar que o entendimento majoritário é o de que, na falta de previsão legal, deve-se aplicar por analogia o disposto no artigo 109 do Código Penal, usando como base o menor prazo prescricional possível (3 anos, alterado pela lei 12.234 de 5 de maio de 2010). Porém, há entendimento no sentido de que, valendo-se do princípio da especialidade, o mais acertado seria o uso do prazo previsto pelo Decreto Presidencial 7648/2011, uma vez que este versa exatamente no tocante das faltas disciplinares:

Art Parágrafo único. A aplicação de sanção por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, não interrompe a contagem do lapso temporal para a obtenção dos benefícios previstos neste Decreto. Art. . A concessão dos benefíciosprevistos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, homologada pelo juízo competente, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à publicação deste Decreto.


REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. 1. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI Renato N. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

[1]FURTADO, Renato de Oliveira Apud MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 2.

[2] É majoritário o entendimento de que, apesar de não mais consistir em pré-requisito para o deferimento de benefício, ainda pode o juízo das execuções, tendo em vista o caso concreto, determinar a realização de exame criminológico de modo a assegurar a existência de requisito subjetivo. Neste sentido, os seguintes julgados do STF: 2ª Turma, HC-AgR 87.539/ES, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 25-4-2006, DJ, 26/5/2006, p. 33; 2ª Turma, HC-ED 85.963/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 3-10-2006, DJ, 27-10-2006, p.62; 1ª Turma, HC 86.631/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 5-9-2006, p. 62

[3]“Bom comportamento carcerário significa o preenchimento de uma série de requisitos de ordem pessoal, tais como a autodisciplina, senso de responsabilidade do sentenciado e esforço voluntário e responsável em participar em conjunto das atividades destinadas a sua harmônica integração social, avaliado de acordo com seu comportamento perante o delito praticado, seu modo de vida e sua conduta carcerária”. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. 1. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 392.

[4] O tempo para reabilitação difere de acordo com o estado da Federação. Foi concedido pelo legislador federal ao legislador estadual a prerrogativa de versar sobre certos temas característicos da execução penal, tendo em vista o âmbito regional. MIRABETE Julio Fabbrini, FABBRINI Renato N. Execução Penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 141.

[5] Vide “apêndice”.

[6]Precedentes: HC n. 97.135/SP, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ de 24.5.11; HC n. 106.685/SP, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJ de 15.3.11; RHC n. 106.481/MS, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ de 3.3.11; HC n. 104.743/SP, Relator o Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, DJ de 29.11.10; HC n. 102.353/SP, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ de 04.11.10; HC n. 103.941/SP, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJ de 23.11.10; HC 102705 SP, Rel. Min. Luiz Fux, 31.05.2011, 1ª Turma, V. U.

[7] CAPEZ Fernando, op. Cit, p. 57.

[8] NERY JR. Nelson, NERY Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 173.

[9] Sobre o Princípio da separação dos poderes e sua flexibilização: MENDES Gilmar Ferreira, COELHO Inocêncio Mártires, BRANCO Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 156.

[10]Resolução SAP Nº 115, de 4/12/2003. Disponível em: htttp://www.funap.sp.gov.br/legislacao/resolucao/resol_sap115_04122003.pdf. Acesso em 25/05/2012.

[11]Manual de Procedimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.funap.sp.gov.br/legislacao/manual/Manual_de_proc_reg_interno.pdf. Acesso em 25/05/2012.