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O sistema de precedentes não pode ser imutável

O sistema de precedentes não pode ser imutável

Talvez tenha chegado o momento de revisão de alguns entendimentos do STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a partir da divergência aberta pelo Ministro Néfi Cordeiro, no HC 381.248/MG, está rediscutindo a jurisprudência pacificada na referida Corte Superior, segundo a qual a data do trânsito em julgado de nova condenação no curso de execução penal é o marco temporal inicial à concessão de futuros benefícios. Segundo o Ministro Néfi, que propõe que a data-base para benefícios prisionais seja o dia da prisão do condenado pelo novo delito ao invés do trânsito em julgado da condenação superveniente, o entendimento até aqui adotado desconsidera, sem razão lógica, o tempo de prisão cumprido pelo condenado. Na prática, quem recorre, embora exercendo o direito constitucionalmente assegurado à ampla defesa, acaba sendo prejudicado.

A discussão vem em boa hora, não apenas em razão da recente modificação do entendimento do Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do HC 126.292/SP, realizado em 17.02.2016, sobre a possibilidade de execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação, mas sobretudo pelos graves problemas decorrentes da superlotação do sistema prisional que demandam uma releitura pelo Poder Judiciário das soluções até aqui adotadas.

O caso é da Defensoria Pública de Minas Gerais, que pretende, em síntese, seja restabelecida a decisão proferida pelo Juízo de 1º grau que, ao implementar nova condenação na guia de execução do preso, unificando as penas, procedeu a respectiva soma, mas considerou como data-base para a benefícios prisionais, por falta de previsão legal específica, a data da prisão cautelar pelo novo delito.

A referida decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, onde prevaleceu como data-base o trânsito em julgado da condenação para a acusação, por ser o marco que mais se aproximava da orientação do Superior Tribunal de Justiça, que considera como data-base o trânsito em julgado da nova condenação, independentemente de ser decorrente de fato anterior ou posterior ao início da execução.

A primeira crítica que se pode fazer em relação a orientação dominante no Superior Tribunal de Justiça, principalmente considerando-se que se trata de condenação por crime cometido no curso da execução, é justamente da contrariedade de tal orientação em relação à súmula 526, que estabelece que “o reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal instaurado para apuração do fato¨, bem com diante da súmula 534, na qual situada que “a prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração”, ambas do STJ

Portanto, se o simples cometimento de delito no curso da execução penal já sujeita o preso à regressão de regime, ou à alteração da data-base para benefícios, conforme decidido no EREsp 1.176.486/RS, 3ª Seção, relatado pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28.03.2012, ainda que o preso esteja no regime fechado, o estabelecimento de novo marco para benefícios prisionais quando do trânsito em julgado da condenação pelo mesmo delito, já tendo havido anterior interrupção da contagem do prazo a contar da data do referido delitivo, encerraria inequívoca dupla punição pelo mesmo fato.

De outro lado, ainda que sobrevenha a unificação das penas por condenação superveniente, provisória ou definitiva, por fato cometido no curso da execução, não há de se falar em nova alteração de data-base, além da decorrente do art. 118,  I, da Lei de Execução Penal[1], exceto se a soma das penas for incompatível com o regime, na forma do parágrafo único do art. 111 do referido diploma legal[2], impondo-se eventual regressão, e o desprezo do período de pena já cumprido, obviamente antes do cometimento do delito, na forma do § 2º do art. 75 do Código Penal[3], por certo não dever abarcar o tempo posterior, entre a data do fato e a do trânsito em julgado da condenação, quando o apenado, durante a tramitação do feito, tenha cumprido prisão cautelar ou execução provisória da pena.

Como, por orientação da Suprema Corte, a execução provisória da pena é admitida a partir da decisão proferida em segunda instância, razão não haveria para não ser considerado o tempo de pena cumprido até o trânsito em julgado, pois isso representaria verdadeira punição, com os mesmos efeitos da prática de falta grave no curso da execução se o preso estiver no regime fechado, simplesmente porque houve a opção defensiva pela interposição de recursos legalmente cabíveis.

A adoção do trânsito em julgado da condenação como data-base para benefícios prisionais somente teria sentido nas situações em que início de execução da pena se deu após o referido marco, não quando o apenado anteriormente estiver preso por delito cometido no curso da execução e, principalmente, não tendo dado causa à demora do julgamento definitivo de seu processo.

Quando a condenação superveniente é por fato anterior ao início da execução, ainda que isso não seja objeto da discussão na impetração acima enfocada, com maior razão não pode o preso, exceto se a soma das penas tornar incompatível a continuidade da execução no mesmo regime, nos exatos termos traçados no art. 118, II, da Lei de Execução Penal[4], ser prejudicado com a adoção do trânsito em julgado da nova condenação como data-base base para benefícios prisionais. E não apenas por ser absolutamente sem propósito a imposição ao preso de ônus pela demora estatal na solução de seu processo, mas principalmente por não se justificar, diferentemente das hipóteses de falta grave e de cometimento de delito no curso da execução, previstas no inciso anterior, punição alguma, além do justo apenamento pelos delitos que tenha cometido com a consequente soma de penas, por não ter violado deveres que lhe são exigíveis durante a execução penal.

Aliás, a criação pretoriana de alteração da data base para hipóteses de cometimento de falta grave, cuja finalidade era atingir apenados do regime fechado não sujeitos à regressão, na  linha da orientação traçada pelo STF no HC 85.141/SP, 2ª T., Rel. Min. Carlos Ayres Britto, publicado em 12.05.2006, num caso de fuga de preso, quando se pretendeu evitar que o apenado recapturado pudesse pleitear imediatamente progressão prisional após um suposto bom comportamento, sequer encontraria semelhante motivação para caso de cometimento de delito, pois, em caso de condenação superveniente, haveria, no mínimo, observado o tipo penal correspondente, a soma de penas, sem prejuízo à eventual modificação do respectivo regime de cumprimento.

A solução adotada pelo Superior Tribunal de Justiça naquela hipótese, vale lembrar, na linha do voto vencido proferido pela Min. Maria Thereza de Assis Moura, que foi acompanhado pelo Min. Sebastião Reis Júnior e pelo Des. Adilson Vieira Macabu, convocado, poderia inclusive ter sido outra, no sentido de se considerar o cometimento de falta grave para a eventual aplicação aos presos do regime fechado de sanções outras que não a alteração, sem previsão legal, da data-base para benefícios prisionais, tais como suspensão ou restrição de direitos, isolamento ou inclusão em regime disciplinar diferenciado, ou que se considerasse a falta grave na análise dos requisitos subjetivos à progressão de regime.

O entendimento hoje dominante no STJ, cumpre situar, é justamente no sentido de se admitir sejam consideradas as faltas graves cometidas no curso da execução penal, afastando-se a alegação defensiva de dupla punição pelo mesmo fato e por período indefinido, para a aferição do requisito subjetivo ao livramento condicional, cujo prazo, nos termos da súmula 441/STJ[5], não é interrompido, como decidido no HC 329.913/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 15.12.2016.

Além de pontuais incongruências de orientação jurisprudencial pacificada em relação a decisões mais recentes, como acima demonstrado, que pode sinalizar a necessidade de revisão de entendimentos adotados, a rediscussão de matérias pacificadas se justifica primordialmente quando sua aplicação estiver gerando situações de flagrante injustiça.

A manutenção da orientação dominante no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a superveniência de condenação no curso de execução criminal altera a data-base para benefícios prisionais ao dia do respectivo trânsito em julgado, independentemente se fato foi cometido antes ou durante a execução criminal, desprezando-se o tempo de prisão efetivamente cumprido pelos apenados, traz algumas perplexidades.

Por exemplo, se dois presos pelo mesmo delito cometem, no curso da execução penal, em concurso de agentes, outro delito, e apenas um deles recorre da sentença condenatória, o que deixa de recorre terá direito à progressão de regime antes, a partir da orientação jurisprudencial hoje pacífica, mesmo que ao final as circunstâncias de ambos sejam absolutamente idênticas em termos de apenamento, regime e conduta carcerária.

Pior ainda é a situação de dois presos, com delitos e penas idênticas, quando não se faz a diferenciação entre o que praticou o delito antes do início da execução e o que praticou no curso desta, e aquele acaba tendo progressão, considerando-se o trânsito em julgado das condenações supervenientes, depois deste, mesmo sendo evidente que sua conduta é menos grave do que a de quem pratica novo delito quando já está cumprimento pena.

De qualquer sorte, na linha do que afirmado pelo Min. Rogério Schietti Cruz, o sistema de precedentes não é cristalizado e permite flexibilizações, e talvez tenha chegado o momento de revisão de alguns entendimentos do Superior Tribunal de Justiça que, direta ou indiretamente, afetam o sistema carcerário, como o da invariável adoção do trânsito em julgado de condenação superveniente no curso de execução como data-base para benefícios prisionais, bem como o da não diferenciações de condenações decorrentes de fatos cometidos antes e durante a execução penal.

Num momento em que a jurisprudência cada vez mais vem se enrijecendo, a rediscussão de tema que tem grande impacto na atuação das Defensorias Públicas já é uma boa notícia.

 

 

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[1]Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

I – praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;

[2] Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime.

[3]§ 2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

[4]Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

II – sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111).

[5] – Súmula 441. “A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional.”

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