Presos convivem com ratos e doenças em cadeias SP

11/07/2010 07h35 - Atualizado em 11/07/2010 11h33

Presos convivem com ratos e doenças em cadeias lotadas de SP

Relataram ao G1 defensoria, mulheres de presos e cartas de presidiários.
Situação preocupa no Centro de Detenção Provisória Pinheiros 4.

Kleber TomazDo G1 SP
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Cadeias públicas, centros de detenção provisória, penitenciárias e manicômios prisionais projetados para ressocializar homens e mulheres que cometeram crimes no estado de São Paulo estão superlotados e colocam em risco a recuperação dessas pessoas. Presos que já deveriam ir para o regime semiaberto não vão por falta de vagas. Amontoados uns sobre os outros, eles têm de ficar em celas mofadas que podem ser ocupadas por até dez presos, mas acomodam 40. Alguns dormem em banheiros quebrados, tendo como 'travesseiros' improvisados vasos sanitários sem descarga, com cheiro de urina e moscas ao redor. Muitos reclamam de banhos gelados, comida com fezes de ratos e baratas, alimentação vencida, presos doentes com tuberculose e Aids junto com os demais, falta de médicos e ausência de remédios. As informações acima são de denúncias feitas à Defensoria Pública do Estado de SP, e de conversas com mulheres de presos e cartas de presidiários obtidas pelo G1.

Levantamento feito pela reportagema partir de dados oficiais das secretarias da Segurança Pública e da Administração Penitenciária confirmam essa situação alarmante em números. Das 148 unidades da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), 123 estavam superlotadas até o dia 11 de maio. No que diz respeito à Secretaria da Segurança Pública (SSP), 138 das 181 cadeias públicas tinham capacidade acima do permitido até novembro de 2009.

Segundo a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e ONGs, as unidades prisionais verificadas estão servindo como verdadeiros depósitos de gente. Em alguns casos, estão sendo feitos pedidos de interdições judiciais ou de melhorias ao estado. Quem sofre mais são os homens presos. Pela SAP, o Centro de Detenção Provisória 4 de Pinheiros, na Zona Oeste da capital, é o mais lotado do estado, com 1.116 presos a mais do que a capacidade permitida, o que representa 217% de superlotação. São 1.628 homens num espaço onde deveriam caber 512. Em relação à SSP, a cadeia pública de Piraju, a cerca de 400 km de São Paulo, era a que mais preocupava até 8 de junho, quando foi desativada por falta de condições a pedido do Ministério Público. Tinha 60 presos onde deveriam caber apenas oito, o que equivalia a 650% a mais do que o permitido. Neste local, os homens detidos conviviam com ratos, inseticidas e sarna, segundo informação do defensor público Bruno Bortolucci Baghim.

Em relação às mulheres, a Penitenciária Feminina da Capital, administrada pela SAP em São Paulo, lidera o ranking das unidades prisionais para presas com capacidade acima da permitida. São 829 presidiárias ocupando um espaço destinado para 251 vagas. Ou seja, 578 mulheres a mais, mais de 230% da lotação. Pela SSP, a cadeia pública de Batatais, a 353 km de SP, é a mais cheia, com 452% acima da capacidade (são 116 presas para 21 vagas).

Para se chegar ao percentual excedente em cada unidade prisional, o G1 acessou o site da SAP e obteve informações da SSP por meio de pessoas ligadas à Secretaria da Segurança, já que ela não disponibiliza as informações na internet alegando questão de segurança. O cálculo leva em conta a proporcionalidade e não valores absolutos. Por isso, a fórmula usada para conseguir esse resultado foi multiplicar por 100 a diferença entre a capacidade dos locais e sua população. O valor resultante equivale, em porcentagem, a quantos prisioneiros habitam a mais, ou a menos, cada cadeia ou presídio do estado, por exemplo.

Veja abaixo o ranking da superlotação em todas as unidades prisionais do Estado

SAP Masculino

Presídio Capacidade População Diferença Porcentagem
Centro de Detenção Provisória de Pinheiros IV 512 1628 1116 217,9
Centro de Detenção Provisória de Pinheiros II 512 1551 1039 202,9
Centro de Detenção Provisória de Pinheiros I 520 1527 1007 193,6
Penitenciária de Marília 600 1757 1157 192,8
Centro de Detenção Provisória de Santo André 512 1494 982 191,7
Centro de Detenção Provisória de Osasco II 768 2130 1362 177,3
Penitenciária de Franco da Rocha III 600 1663 1063 177,1
Penitenciária de Hortolândia I 538 1452 914 169,8
Centro de Detenção Provisória de São Bernardo do Campo 768 2045 1277 166,2
Centro de Detenção Provisória de Piracicaba 548 1446 898 163,8

 SAP Feminino

Présidio Capacidade População Diferença Porcentagem
Penitenciária Feminina da Capital 251 829 578 230,2
Penitenciária Feminina de Campinas 528 1020 492 93,1
Penitenciária Feminina de Tremembé 100 180 80 80
Centro de Ressocialização Feminino de Araraquara 96 165 69 71,8
Hospital CTP Franco da Rocha I 75 87 12 16
Penitenciária Feminina Sant'ana 2400 2743 343 14,2
Hospital CTP Franco da Rocha II 22 25 3 13,6
Centro de Ressocialização Feminino de Itapetininga 210 234 24 11,4
Centro de Ressocialização Feminino de Piracicaba 120 130 10 8,3
Penitenciária Feminina do Butantã 620 662 42 6,7

SSP Masculino

Presídio Capacidade População Diferença Porcentagem
Cadeia Pública de Piraju (desativada em 8 de junho) 8 60 52 650
1º DP de Guarulhos 8 52 44 550
Cadeia Pública de Miguelópolis 12 62 50 416,6
Cadeia Pública de Cotia 96 473 377 392,7
Cadeia Pública de Carapicuíba 96 430 334 347,9
Cadeia Pública de Itapeva 45 190 145 322,2
Cadeia Pública de Botucatu 60 233 173 288,3
Cadeia Pública de Barretos 45 170 125 277,7
Cadeia Pública de Jundiaí 120 418 298 248,3
Cadeia Pública de Pedregulho 14 47 33 235

SSP Feminino

Presídio Capacidade População Diferença Porcentagem
Cadeia Pública Feminina de Batatais 21 116 95 452,3
Cadeia Pública Feminina de São Miguel Arcanjo 12 65 53 441,6
Cadeia Pública Feminina de Cajuru 20 80 60 300
Cadeia Pública Feminina de Terra Roxa 8 32 24 300
2º DP Feminino de São Vicente 24 93 69 287,5
Cadeia Pública Feminina de Santa Bárbara D'Oeste 24 92 68 283,3
Cadeia Pública Feminina de Mairiporã 8 27 19 237,5
Cadeia Pública Feminina de Itatinga 24 79 55 229,1
2º DP Feminino de Santos 60 195 135 225
Cadeia Pública Feminina de Charqueada 18 53 35 194,4

Memórias do cárcere

Só quem está preso ou visita esses locais sabe o que acontece realmente dentro deles. A reportagem teve acesso a cartas de presidiários e conversou em abril com as mulheres de presos que denunciaram uma série de irregularidades dentro das unidades. Em um dos trechos, o detento do CDP 4 de Pinheiros escreve "somos humilhados pelos policiais na hora da revista [e] ficamos sem comer o dia todo", "tem superlotação nas celas", "dormimos no chão por falta de cama e colchão", "queremos nossos direitos respeitados".

As mulheres de presos só aceitaram falar sob a condição de anonimato. Cerca de 200 mulheres começam a formar fila todas as sextas-feiras em frente à unidade de Pinheiros. Elas têm maridos presos lá dentro. Montam barracas e distribuem senhas à espera dos sábados de visita.

“O colega do meu marido está doente. Eles não estão cuidando. Está com tuberculose. Meu marido já está há oito meses assim”, afirmou a mulher de 23 anos, que guardava bolachas numa bolsa para levar para o marido preso.

“Teve vez de a comida entrar estragada, mal cozida, com fezes de rato. Uma situação totalmente precária”, disse uma jovem que namora um detento e não quis diz dizer a idade. Ao ser indagada sobre o que os presos fazem quando ficam doentes, ela respondeu: “Primeiramente eles têm que orar a Deus, né? Porque só Deus para poder ajudá-los aí dentro. E porque medicamento, até mesmo médico, eles não têm. Tem enfermeiros que muitas das vezes eles nem sabem o que estão dando. Teve situações de presos que tomaram medicação errada.”

Interdições

Segundo um representante da Promotoria em São Paulo, que pediu para não ser identificado, "os CDPS estão superlotados e todos sabem disso". Para o promotor, a solução para reduzir a superlotação está na construção de mais presídios.

Mas na avaliação da Defensoria Pública do estado, existem outros caminhos para controlar a população carcerária, como interdições ou políticas públicas de inclusão social.

"Se o Estado se propõe a prender toda essa gente, ainda que de forma equivocada, ele tem que oferecer condições adequadas de aprisionamento. Se não pode oferecer, então solta todo mundo", disse a defensora pública Carmem Silvia de Moraes Barros, coordenadora do núcleo de situação carcerária em SP, que afirma já ter constatado problemas em algumas das unidades e cadeias que visitou. "Mulheres de presos e presos também nos relatam problemas envolvendo superlotação, a presença de ratos, banho gelado etc."

G1 questionou por telefone as assessorias de imprensa da SAP e da SSP sobre a possibilidade de a reportagem visitar e entrar nas unidades prisionais e cadeias citadas na matéria, mas segundo os orgãos, isso não seria possível por questões de segurança.

Leia abaixo as íntegras das notas das duas secretarias a respeito das condições precárias em que vivem os presos no estado de SP.

Nota da SAP

"Com relação ao CDP 4 de Pinheiros, citado em sua solicitação, a Secretaria da Administração Penitenciária esclarece que as denúncias são improcedentes. A alimentação é servida por empresa terceirizada e, assim que recebida, uma comissão específica da unidade prisional é responsável por checar, diariamente, o conteúdo, a consistência e a temperatura da comida. O que é feito através de amostragem. O material também é verificado para conferir se não há algum marmitex que não esteja lacrado, no momento da entrega.

A mesma equipe avalia, diariamente, a higienização das embalagens externas, geralmente caixas plásticas, além do interior do baú do veículo transportador. É importante ressaltar que trata-se de um procedimento padrão em todas unidades prisionais que recebem alimentação terceirizada no Estado.

Com relação à saúde, a SAP esclarece que o CDP 4 de Pinheiros possui área de saúde, com corpo funcional específico para lidar com esse assunto. Qualquer tipo de solicitação de atendimento feita pelos internos é prontamente atendida no local ou, se for o caso, são feitos encaminhamentos externos através do Centor de Ações Hospitalares, do próprio presídio. Mais uma vez, não procede a denúncia realizada."

Nota da SSP

"O delegado Robson Lorencetti Ernesto, do Departamento de Polícia Judiciária do Interior 7 [Sorocaba], informou a esta assessoria de imprensa que a Cadeia Pública de Piraju foi desativada em 8 de junho. Todos os presos foram encaminhados para o sistema prisional e o processo de reforma da unidade está em fase licitatória.

O Estado de São Paulo possui 115 cadeias públicas ativas. Desde 2007, 64 unidades foram desativadas, sendo que 11 delas foram, posteriormente, transformadas em cadeias femininas.

Em 2000, a Secretaria da Segurança Pública possuía 32.319 presos sob sua responsabilidade. Atualmente, são 8.890 presos para 5.453 vagas disponibilizadas.

Importante lembrar que São Paulo possui a maior população carcerária do país. Só em 2009, as polícias paulistas realizaram 124 mil prisões, em flagrante ou por mandado, contribuindo diretamente para a redução de todos os crimes contra o patrimônio.

No primeiro trimestre de 2010, os roubos caíram 13% em relação ao mesmo período do ano passado. De janeiro a março, os furtos diminuíram 5%, os furtos de veículos 10%, os roubos de veículos 12% e os roubos de cargas 7%. Os roubos seguidos de morte apresentaram a redução mais significativa: -22%, com queda de 94 para 73 casos no Estado.

A reversão da tendência de alta identificada no início de 2009, com a significativa redução dos crimes contra o patrimônio, deve-se a uma série de medidas tomadas para intensificar o policiamento ostensivo e a investigação criminal, além da melhora do cenário econômico.
A diminuição histórica no número de homicídios em São Paulo – nos últimos dez anos, a redução foi de 69% - também teve como um dos fatores o aumento do número de pessoas presas devido ao trabalho policial.

Por fim, ressaltamos que é meta atual do governo estadual desativar, gradativamente, as cadeias públicas e carceragens sob responsabilidade da SSP, transferindo assim a população carcerária à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), com a construção de novas unidades prisionais."